Com o título, no Brasil, de "Amor, Paris, Cinema", o diretor Arnaud Viard nos traz uma delícia de longa-metragem em que ele mesmo protagoniza uma história metalinguística: um diretor tenta escrever e dirigir o seu segundo longa. A história é leve e divertida, mas também conta com as pegadas melancólica, crítica, psicanalítica e poética do bom cinema francês. Ao lado de uma lindíssima Irène Jacob, Viard nos conta uma história criativa e que poderia ser vivida por qualquer ser humano que está perseguindo um sonho, como eu ou você.
Arnaud é um homem de 45 anos que escreve roteiros, atua e dirige. Como ele mesmo se apresenta, "é diretor e ator". Atua para sobreviver, mas sua grande paixão é dirigir. Começa sua narrativa contando do bloqueio que teve ao realizar seu primeiro filme, em 2004. Se vamos assistir a uma história autobiográfica, não poderemos afirmar. Mas a criatividade artística e a potência sexual são dois motes para o deslanchar do nosso filme.
Arnaud tem dois sonhos: ter um filho e fazer o seu segundo filme. Como casal de meia idade, Chloe e Arnaud já têm alguma dificuldade para engravidar, o que termina por angustiá-los. Então começa a metanoia de Arnaud: separa-se de Chloe, começa a dar aulas num workshop de cinema, conhece Gabrielle, uma mulher muito mais jovem que ele. A tentativa de reconstruir a vida, de encontrar alguma vitalidade em meio aos desencontros - não havia conseguido que o produtor aceitasse o seu roteiro; não havia conseguido ter um filho com a mulher que amava -, o levam a se reinventar em meio à destruição dos sonhos. Sente-se feliz com a jovem Gabrielle, gosta das aulas e dos alunos, diverte-se bebendo da juventude que o rodeia. Mas sentimos que nem tudo está ali.
Louise Coldefy e Arnaud Viard, em cena de Arnaud fait son 2ème filmAs idas às sessões com o psicanlaista e as visitas à mãe hospitalizada começam a descortinar o íntimo de Arnaud. Nas cenas em que vai no trem - momento da espera, momento de instrospecção -, a ideia de perder a mãe e a busca pelo lugar de pai vão se somando no retrato que o filme constrói de nosso protagonista. Há cenas lindíssimas, como o diálogo tecido com a mãe, no trem que o leva de volta a Paris, depois de visitá-la no hospital. O diálogo é parte da despedida, antecipação do que está por vir. A mãe está em estágio terminal, sente dores, mas não quer dar trabalho aos filhos. Igualmente me encantou a cena da festa dada pelos alunos, em que Arnaud dança alegremente enquanto a música alegre é substituída pelo "Requiem in Paradisum", de Gabriel Fauré, e, lindamente, migramos do êxtase da festa para o êxtase da morte, momentos em que o sagrado toca os corpos humanos, momentos sublimes em que o amor ágape e a morte encontram morada. Arnaud recebe o telefonema que traz a notícia da morte da mãe, despede-se de Gabrielle, sai da festa e vai ao encontro de Chloe. Eros guia nossos amantes, nada mais erótico e íntimo que amar-se diante da morte da mãe. Arnaud pergunta-se e pergunta a Chloe por que eles não deram certo. Diante da perda da mãe, ele busca o consolo nos braços amorosos de Chloe, e, magicamente, nesse momento, concebem um filho. Fim e começo se enlaçam, um símbolo de que a vida é cíclica e infinita.
Arnaud finalmente consegue um produtor para o seu segundo filme e, justamente quando realiza esse sonho, Chloe o procura revelando que ele é pai, que ela está indo parir. A metáfora do nascimento, que tantas vezes é usada na arte, associa-se na concepção de uma obra e de um filho. Dois projetos que já se davam por fracassados, que haviam sido abandonados por Arnaud. Chamado pelo telefone, é convocado a assumir a realização do seu segundo filme e também o nascimento do seu filho. Sonhos que talvez já fossem inesperados. Sonhos que ele talvez já estivesse disposto a esquecer. Mas a Vida às vezes é assim, não é mesmo? Às vezes os sonhos correm atrás da gente. 💓
Irène Jacob foi um lindo reencontro, para mim. Meu primeiro momento com a senhorita Jacob foi nos clássicos "A Dupla Vida de Veronike" e "Rouge", ambos de Kieslowski. Reencontro-a madura, igualmente bela, com a mesma força da juventude. Arnaud Viard foi uma grata surpresa, já quero ver "Clara et moi", o seu primeiro filme. É muito bom ver diretores que entram na pele de seus protagonistas, como o fizeram Woody Allen, Nanni Moretti, entre outros. Inclusive, é muito boa a crítica escrita por Rodrigo Torres sobre "Amor, Cinema, Paris". Ele afirma que o formato de "Arnaud fait son 2ème film" estaria baseado em "Caro Diario", do diretor italiano. "Caro Diario" é um filme de que gosto muito (amo as idas pelas ruas de Roma montado em uma vespa, eu me senti e me sentei na garupa de Moretti...), foi meu primeiro encontro com Moretti, no comecinho dos anos 2000, seguido pelo belíssimo "O Quarto do Filho" (chorei baldes...), ambos imperdíveis.