sexta-feira, maio 19, 2006

Os sete pecados capitais (Parte I)

A Inveja


De como a menina deseja ter "As reinações de Narizinho". De como las hermanastras sabotam La Cenicienta. De como a fúria dos deuses sobre a perfeição dos andróginos fez gerações intermináveis de humanos vagarem sobre a terra, desolados pela sua metade perdida; por uma ausência que muitas vezes se sente, mas não se sabe conscientemente.

A inveja, a inveja. Sentimento humano primitivo que habita o lado escuro da alma de qualquer boa criatura que tenha vivido neste planeta até os dias de hoje.

A "inveja boa" é a que é capaz de construir, de mover para a frente; é aquela que advém da admiração, do desejo de ter o que o outro possui de bom e belo. A outra, a inveja considerada "ruim", que é a que faz amargurar as pessoas, que quer destruir o objeto da cobiça, essa é a que mais dá literatura. Os personagens maus, os verdadeiramente maus, são uns invejosos. E por isso mesmo são os mais humanos. Humanos porque sentem, porque têm sentimentos reais, ainda que sejam considerados mesquinhos, vis. Os personagens nobres, de caráter elevado são uma farsa. Ninguém pode ser tão bonzinho. Todos temos os momentos de invejar quem dorme na cama alheia, de querer o corpo, a essência, o "conjunto da ópera" que a vizinha tem em sua cama. Todos cometemos, dentro do pecado da inveja, o deslize de pecar contra o mandamento mais difícil de se cumprir. E não preciso mencioná-lo aqui. Aos iniciados em humanidade, deixo os versos de minha grande poeta, Hilda Hilst. Falem por mim. Saudações humaníssimas!

V

Amado e senhor meu: Perguntei a mim mesma
O que te faz aos meus olhos desejado.
E aquele anjo que é o meu, desassombrado,
Andrógino e ausente emudeceu.
Será a luz da tua casa o encantado
Ou tens encanto maior aos olhos meus?
E aquele anjo que é o meu, mudo e alado
Prudente como um anjo adormeceu.
Será a mulher, a que te tem guardado
Em vigia constante como a um deus,
Que faz com que eu te sinta o mais amado?
E sonâmbulo meu anjo respondeu:

_ Ai de ti, a de sonhos exalados.

(HILST, Hilda. Do amor. SP: Massao Ohno Editor, 1999.)




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