domingo, março 11, 2007

Personagens - parte II

Ela azedava de ciúme. Era uma mulher de trinta anos, casamento de dois anos, nenhum filho. Pensava que se tivessem um filho náo teria tempo para se dedicar a pensamentos tolos. Enganava-se. O ciúme havia chegado numa tarde de sol, e se instalara confortavelmente no fundo do armário, no quarto. Cada manhá, quando ela abria o armário para vestir-se, ele se juntava a seus outros pensamentos e ía tomando conta de tudo. Ciúme era o que a acompanhava ao trabalho, à feira livre, ao saláo de beleza, ao supermercado, ao cinema, a todas as partes. Era um inferno! Mais de uma vez ela pensou "só indo tirar isso na macumba!", mas depois se esquecia da promessa. Sabia que o marido náo era lá o homem mais bonito do mundo, nem o mais rico, mas e se outras mulheres descobrissem o que só ela sabia? Se outras vissem o mundo de coisas boas que ele era? Era embolorava de ciúme. Porque sentia ciúme e chorava; chorava e ficava úmida. E náo havia hora para senti-lo. Numa noite teve um sonho. Um sonho desses muito ruins. Acordou sobressaltada, e quando olhou o relógio eram três da manhá, o marido roncava de leve no travesseiro ao lado, e ela náo podia pregar os olhos, arfava de medo, suava frio por causa da imagem do marido abraçado a uma mulher onírica e linda. Náo adiantava dizer-lhe, tentar tranqüilizá-la "ei, foi só um sonho...". Dentro do seu ciúme a ameaça que tomava o seu marido pelo pescoço era real. Era uma premoniçáo! Sim, aquela mulher com certeza existia, e se havia sonhado com ela é porque há tempos ela já rondava seu espaço, com certeza querendo tomar o que era seu.



Nenhum comentário: