quarta-feira, agosto 12, 2020

Princípio da realidade

Trabalho com adolescentes há pouco mais de um ano, e tem sido um curso intensivo para mim. É daqueles trabalhos em que mais que ensinar, você aprende. E para mim têm sido muitos os aprendizados sobre o ser humano, em todos os seus meandros e dobras.

Ao entrar em contato com pessoas que estão vivendo a travessia da infância para a vida adulta, entrei em contato com muitas questões da alma humana, dessas que às vezes recalcamos quando não as vivenciamos adequadamente. Hoje, do alto da montanha que construí com minhas experiências de vida, vejo quão importante é trabalhar com esses jovens certas habilidades socioemocionais fundamentais para enfrentar o ambiente acadêmico, para conviver em grupo, para aprender de maneira satisfatória. E, por que não?, para a Vida. Mas não é fácil.

Em janeiro deste ano, li um texto que mudou meu olhar para o meu trabalho. Trata-se de uma publicação sobre habilidades socioemocionais, livro escrito por Anita Lilian Zuppo Abed e que está disponível gratuitamente no site do MEC, basta clicar aqui

A autora de O Desenvolvimento das habilidades socioemocionais para a aprendizagem e o sucesso escolar de alunos da educação básica me ofereceu uma leitura agradável, didática e esclarecedora sobre as habilidades socioemocionais e me fez revisitar os principais teóricos do desenvolvimento humano. Tal leitura me propiciou um ótimo resgate de teorias, conceitos e olhares sobre a criança e o adolescente e sobre o aprender e seus significados. 

Noto que as habilidades socioemocionais são subestimadas no ambiente escolar, ou pelo menos não recebem o lugar de destaque que mereceriam ter. A escola, de um modo geral, não destina seu tempo ou seu currículo a desenvolver tais competências nos estudantes. Talvez seja um problema que encontra raízes mais profundas na cultura: talvez  o processo educacional esteja mais "racionalizado", em detrimento do trabalho com as emoções, que pertenceria a um âmbito imbricadamente pessoal e, talvez, íntimo, nesse perigoso e infeliz divórcio entre razão e emoção de que nos fala Eduardo Galeano. Mas enganam-se a escola e a cultura. 

É preciso fomentar o exercício dessas habilidades, e a busaca da consciência de si mesmo me parece uma caminho muito acertado. O trabalho acerca de questões como "quem sou", "que lugar ocupo no mundo", "aonde quero ir", "qual é meu projeto de existência", "como lido com meus medos e minhas dificuldades", "como lido com meu sucesso e minhas conquistas", e, para citar mais uma entre múltiplas outras possibilidades "como convivo com meus colegas e professores", nos ajudam a traçar um mapa dos nossos aprendizes e de como andam as suas habilidades socioemocionais. 

É bem certo que o nosso fazer como docentes muitas vezes se vê tragado pelo currículo que nos impõe conteudismo e um cronograma muito apertado a serem cumpridos, mas pequenos momentos do cotidiano são suficientes para fomentar o desenvolvimento dessas habilidades socioemocionais. Pequenos vídeos e textos são milagrosos como catalisadores de emoções e para refletir sobre as questões que se queira trabalhar e discutir com os alunos.

O professor pode ter um pequeno cronograma especial com aquilo que quer propiciar aos alunos e basta destinar um pequeno tempo para essas práticas. Nem precisa ser em todas as aulas. Pode ser na primeira ou na última aula da semana. É possível ler um pequeno texto, ver um curta-metragem, e a mágica vai se realizando. O olhar dos alunos, sua sensibilidade vão ser atingidos por esse exercício sutil sobre os sentidos. Valores também vão sendo cultivados, tais como empatia, solidariedade, respeito, etc. Quando conseguimos atingir o ser sensível de nossos alunos, quando exploramos o "olhar para o outro", conseguimos também o "olhar para dentro de si mesmo", tão necessário para desenvolver as habilidades que buscamos acerca de como lidar com aquilo que sentem.

A boa e velha conversa sempre é um método de abordagem que também dá ótimos resultados. Conversar é algo tão antigo, mas tão humano! E certas coisas - como os sentimentos, como conviver -são atemporais e não passam de moda nunca!

(P.S.: Este texto começou a ser escrito em 2018, ficou arquivado e só foi finalizado em 2020)

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