
"Ocorre-me que os escritores não se despedem, porque não partem.
A escrita de Saramago, o próprio a fazer letra dos seus pensamentos, continuará a nos provocar o sublime.
Quiçá para muitos será este o ano em que nasceu José Saramago."
Isadora Ataíde
Sempre sofri com as perdas daqueles que me formaram. Fosse um escritor, um músico, um pensador sensível, o certo é que já me deixaram de luto vários nomes da cultura universal, gente que me fez ampliar os horizontes de ver e existir. Mas confesso que de todos os que vi partir o que mais me causou comoção e tristeza foi José Saramago. Deste autor incrível não li muito ainda. Mas o que tive o prazer de ter entre as mãos me fez amar de modo tão profundo a língua portuguesa, que só pude sentir mais prazer em tê-la como língua materna, para além do amor que eu já sentia antes de conhecer a sua obra singular.
O seu primeiro texto em meu paideuma foi o Cadernos de Lanzarote. Mas a minha relação de amor com Saramago se deu, definitivamente, através do livro Todos os nomes, que me enredou de tal maneira na suas páginas a ponto de me fazer mergulhar em corredores escuros com o protagonista, a vasculhar arquivos empoeirados e biografias inconsistentes, em busca de quem sabe lá o quê; em busca, talvez, da essência humana, de algo escondido em lugares esquecidos da memória. Saramago plasmou, nesta obra incrível, a memória da humanidade, os nomes e biografias perdidos, os arquivos mortos que contam a História de todos os homens que vivem e já viveram.
Lembro-me de quando, em 1998, concederam-lhe o Prêmio Nobel de Literatura. Merecidamente, entregavam-lhe os laureis da academia sueca; encontrei, em meus papeis daquela época, cópia da carta aberta que o escritor cubano Manuel Díaz Martínez escreveu felicitando-lhe, e transcrevo um trecho seu:
" Carta a José Saramago
Querido y admirado Pepe, ante todo quiero que sepas que pocos premios, incluidos los que me han dado a mí, me han alegrado tanto como el Nobel que te acaban de otorgar. La Academia Sueca, que no siempre ha acertado, se ha honrado honrándote. Y tu premio me alegra, además, porque implica el primer homenaje que los académicos de Estocolmo han hecho a la lengua portuguesa, tan amada por mí —tú lo sabes—, que es la lengua en que mejor me expreso después del español. (...)"
Nos últimos dias, li muitas homenagens escritas a Saramago, despedidas que acalentam um pouco a minha alma, e falam da perda comum de todos os que amam a sua obra e que aprenderam, também, a amar o grande homem por trás dela. Porque Saramago, para mim, não foi apenas o escritor nobel de literatura: ele foi o homem de ideais incorrompíveis, defensor da Vida e da dignidade humana, lutador por um mundo justo e de oportunidades para todos.
Lembro-me de tê-lo ido ouvir no Grande Teatro do Palácio das Artes. Que ano era aquele? Era 2000, acho. A figura em minha mente é a de um orador muito simpático e generoso com o público que lotava o teatro, e se referiu a nós como "a tribo da sensibilidade", ali reunida para ouvi-lo. Meu Deus, que grande alma!... Que grande homem! Gente como Saramago me faz acreditar mais e mais no ser humano, me faz crer que a Arte educa os sentidos e que também os liberta.
Descanse em paz, maestro. Como Isadora Ataíde, eu me sinto confortada com a ideia de que parte o homem, mas fica para nós o escritor e sua obra. Absolutamente imortais.
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