quarta-feira, fevereiro 21, 2007

Personagens - parte I

Eu tava lá. Vi quando a porra toda aconteceu. Lembra do poema de Adélia? Mais ou menos assim: a mulher pega a outra pelos cabelos e dá nela. O ciúme é uma pantera, já dizia a Mme. Beauvoir. O amor tem possessividade. Ela me disse que tá se lascando pra ele. Tá nada. Ela ama, e muito, o tal. Mas um dia se cansa de tanto desmando e tanta baixaria. Amar tem limite. E um dia ela faz a malinha dela e pega o primeiro bonde que passar na sua porta. Ele vai chorar, ficar sem comer, tomar umas cachaças. Mas aí procura a outra, pede colo, cafuné, carinho e já viu: cura-se tudo. No lugar da chaga aberta pela que se foi, abre-se o abismo do amor da outra, onde se lança cada noite, suado, fatigado, das andanças do amor. É um abismo escuro e fundo, mas ele tem coragem e mergulha, mergulha. A outra toda contente de ele ter ficado com ela. Entáo valeu a pena ter perdido os tufos de cabelo na briga do beco? Ah, pois sim. E a vida, vai-se vivendo. Ela, pelo mundo. Conhece outro amor, faz-se de outros, de muitos, de si mesma. Ela se encontra nos braços de alguém de quem náo gosta, porque busca a si mesma. Essa é a forma de amar alguém um dia, amando a si mesma. Náo adianta achar que o belo corpo de homem soluciona seus medos, suas angústias. Sabe a outra? Ele só olha pra outra porque acha que náo merece você. A limitaçáo é dele, ele é o que é porque náo sabe onde se achar. Quer saber? Eu vi tudo. Sentada lá na mesa em frente, vi quando você chegou, começou a gritar, quebrou a garrafa, cortou o braço dele, e todo mundo assombrado pensando que você iria cortá-la também, você a agarra pelos cabelos, dá nela com as duas máos, grita que ela é uma ordinária e faz a outra pedir pelamordedeus que náo maltrate ela náo. Vi o momento em que você se tornou pantera. E vi como ele se encolhia diante de você e te pedia perdáo. Você o olhou - táo altiva-, deu as costas e foi pisando as ruas como se estivessem cobertas de veludo... Mas você ainda náo foi capaz. A malinha continuará descansando sobre o guarda-roupa, e ele vai voltar à noite e te pedir perdáo mais uma vez, dizendo que é só teu, só teu mesmo, o seu amor.