quinta-feira, junho 01, 2006

Uma das minhas mulheres de dentro


Tem uma mulher em mim que é muçulmana, e tem um olhar amoroso, e usa véus coloridos sobre os cabelos longos, cobrindo o que só o marido desfruta entre as quatro paredes de sua alcova. Essa mulher olha firme, pisa leve, toca profundamente, e deseja chegar aos lugares mágicos aos quais o amor a conduz.

Essa muçulmana em mim sabe os segredos seculares de sua gente, os cantos de seduzir e louvar, as orações que, no deserto, servem para pedir a chuva e a colheita bem-sucedida. Ela sabe que as mulheres são seres tão fortes quanto os homens, porque dão à luz, porque compartilham as dores e as alegrias, porque sangram todos os meses, porque dão de comer e impartem os remédios.

Tem uma mulher que se move como um poema, com suas cadeiras generosas, sua sensualidade ritmada, seus olhos negros e intensos. Ela sabe como alcançar a substância amorosa que há dentro do seu homem, sabe saciá-lo quando ele tem fomes, e acaricia a alma do amado quando seus dedos pousam-lhe sobre a pele.

Essa mulher sabe-se a riqueza da tribo, vale mais que o dia nascendo, que a lua e seu clarão prateado, que a música que sai dos instrumentos, que o som que faz a água na fonte. Ela é o motivo de seguir as trilhas de areia que o vento faz, em busca de novos oásis, de novas vidas na aridez quente onde habitam.

Tem uma muçulmana em mim que tem trezentos anos e te segue por onde quer que caminhes, que se senta ao teu lado e te conta histórias, e te acalenta o sono. Ela quer o muçulmano que te habita, o homem milenar e mágico, dono de uns olhos que são transparentes como o mar durante o dia, como céu que cobre nossas cabeças.

Essa muçulmana canta com voz antiga e te prepara bebidas quentes para as noites frias, e te prepara o leito para as horas de descanso e amor, e te cuida, e te ama. Ela sabe que o amor é o melhor de si. E está descobrindo-se devagarzinho. Mas vai demorar alguns séculos para ela arrancar os véus. Isso se faz lentamente. Como o vento esculpindo as pedras.




Um comentário:

Anônimo disse...

Bia!
Quanta riqueza de detalhes...
Amei, amei, amei