sexta-feira, junho 16, 2006

Beijos e intensidades

O beijo. Camille Claudel

Je t'embrasse, en silence.


Renomeio a escultura de Camille Claudel: o beijo às escuras. Que a adorável Camille perdoe-me o atrevimento. Vim falar de beijos e de mulheres. Começo pelos beijos. Essa escultura de Camille Claudel é uma das minhas preferidas. O movimento dos corpos, os braços em volta do pescoço do amado, a mão dele sobre o quadril dela, os corpos tão próximos! Também gosto da cor escura. O amor, às vezes, é escuro. Nesse beijo, há entrega. Talvez a de Camille a Auguste. A da mulher ao homem. É uma releitura do trabalho do mestre. Um releitura escura da obra clara de Rodin. Talvez porque o amor doesse em Camille, e Auguste lhe parecesse a substância fria do metal. O amor às escuras, eis a obra de uma vida.


O beijo em Rodin é claro. Talvez o amor fosse mais linear para ele. Para Camille, não era. Por isso as trevas envolvem a situação amorosa; por isso a loucura. Uma discípula dedicada e amorosa. Copiou a precisão e a intensidade do mestre, e emprestou sua poesia à escultura. Ver as obras de Camille é estar diante de uma leitura delicada da vida. Mesmo quando imprime no bronze um beijo. Os corpos ganham leveza no seu entalhe, são versos, são melodia.

O beijo. Gustav Klimt.

Outros exemplos de beijos me arrebatam. O beijo, de Gustav Klimt; O beijo, de Picasso. Esse é um tema recorrente entre os sensíveis. Fala-se do beijo, desenha-se, pinta-se e esculpe-se o beijo. É uma obsessão entre os artistas. O que talvez se queira seja o registro perene da conjunção de dois desejos. O beijo é o momento de tocar a alma do outro.

Em Klimt, o beijo é um abraço. Os corpos se deixam envolver pela colcha de retalhos, aconchegam-se um ao outro, voltam a ser um só, como os mitológicos seres andróginos. E reintegram-se à natureza, pousados sobre minúsculas e delicadas florezinhas. A mulher deixa-se beijar, como em Rodin e Camille; ela é acolhida pelo abraço e pelas mãos do amado.

Beijar é uma busca humana. É um desejo que povoa artistas e outros mortais.

O beijo. Pablo Picasso.



Em Picasso, nós nos deparamos com o beijo cubista. Beijo cubista é o beijo em que se perdem línguas, bocas e desejos. Tudo se mistura em meio ao calor das bocas sedentas dos amantes. Picasso consegue dar forma ao que se sente quando se beija apaixonadamente. Cabeças se misturam, cabelos emaranham-se, braços começam e não se sabe ao certo onde terminam. Somos feitos de muitas matérias no momento do beijo, e nos amassamos como papel, nos arranhamos como aço e metais, nos devoramos como pedaços de carne, nos sentimos aprisionados por cordas imaginárias... O beijo cubista nos desconstrói para nos encontrarmos no outro. Nossa existência se reconstrói com o beijo, no momento de comunhão do encontro de duas bocas.
Beijar é ir em direção ao outro.

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Também preciso falar de algumas mulheres. Falar de Camille me faz pensar em duas outras grandes criaturas: Simone de Beauvoir e Frida Kahlo. Camille foi considerada durante muito tempo apenas como a discípula de Auguste Rodin. Para chegar até ela, chegava-se primeiro a Rodin, ou mesmo a seu irmão, o poeta Paul Claudel. Camille foi Camille graças a Rodin. Sua obra, durante muito tempo, não teve o reconhecimento que merecia. Da mesma forma que aconteceu a Frida. Sua obra caminhou atrelada a Diego Rivera. Inclusive quando se fez o filme Frida, colocou-se a vida e a obra dessa autora muito presa à figura de Diego, mesmo tendo sido realizado por uma cineasta. Igual característica tem Simone de Beauvoir. Uma grande filósofa e escritora cuja obra fica à sombra do seu companheiro, o também brilhante filósofo e escritor Jean Paul Sartre. Injustiças genéricas? Casos históricos em que se tenta desmerecer a produção artística e intelectual de mulheres brilhantes? Deixo aberto ao diálogo...

São três mulheres que me fascinam. Mulheres cujos amores as levaram a lugares distintos. Amaram intensamente seus companheiros. E dedicaram muito das suas vidas a eles.


2 comentários:

Anônimo disse...

Sua análise é muito sensível e poética... Não tenho costume de ler estas 'bitácoras' (li em algum lugar que este é o nome em espanhol...), mas lendo a sua senti vontade também de expressar meus sentimentos 'virtualmente', quando eu tiver uma página entro em contato com você... Voltando ao beijo, o vejo também como um paradoxo, pois fechamos os olhos para sentir melhor o outro e então? escurece? clareia? afinal quando mergulhamos também não fechamos os olhos?
Espero ansiosamente suas próximas reflexões...

Guino

Fernando Henrique Lemos Rodrigues disse...

A flor do desejo e do maracujá
Eu também quero beijar
Haja dor, haja guerra
haja a guerra que há
Eu também quero beijar
Do Farol da Barra ao Jardim de Alá
Eu também quero beijar
Da pele morena daquela acolá
Eu também quero beijar

Beijo a flor
Mas a flor que eu desejo eu não posso beijar
Ai, ai, amor
Haja fogo, haja guerra,
Haja a guerra que há
teu cheiro

É o marinheiro
do barco fantasma que vai me levar
Mundo inteiro
Haja fogo, haja guerra,
Haja a guerra que há
Teu cheiro

(Pepeu Gomes)

Bia, lendo teu texto deu vontade de beijar...